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Mulheres negras são quase 70% das vítimas de feminicídio

Ativista Mônica Cunha exemplifica os dados em entrevista

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Qualquer mulher, independente de cor, idade ou classe, pode ser vítima de violência. A cada mês de 2019, foram mais de 10 mil sobreviventes. É o que aponta o Dossiê da Mulher 2020, do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio (ISP).

Segundo o relatório, crianças, adolescentes e mulheres negras são as que mais correm riscos. Mônica Cunha, ativista de direitos humanos e fundadora do Movimento Moleque, explica os dados. Entenda:

Repórter: Nos noticiários, a gente pode notar que grande parte dos casos de violência sexual acontecem contra crianças e adolescentes e os abusadores são pessoas do próprio convívio. Os números confirmam essa informação?

Mônica Cunha: Infelizmente, sim. Por exemplo, quando falamos de estupro, meninas de até 17 anos são 70% das vítimas. Quando expandimos para outras formas de violência sexual, crianças e adolescentes continuam sendo a maioria absoluta das vítimas e, em quase 60% dos casos, a violência ocorre dentro de casa. Não podemos deixar de lembrar do caso da menina de 10 anos que, em decorrência de um estupro, engravidou e foi vítima de fanáticos que tentaram impedi-la de usufruir do direito a um aborto previsto em lei. A cultura do estupro é muito mais profunda do que aparenta e remete à desconsideração da humanidade da mulher ou menina. É preciso, urgentemente, enfrentarmos isso.

Repórter: O racismo tem influência nos índices de feminicídio?
Mônica Cunha: A questão racial está em destaque no dossiê especialmente quando trata dos feminicídios. Quase 70% das vítimas deste crime são mulheres negras. Ao nos depararmos com este dado, é impossível não refletir sobre como o racismo, aliado ao machismo, contribui para que nós, mulheres negras, sejamos as que mais morrem por sermos o que somos.

Repórter: Há ligação entre as mulheres permanecerem em um relacionamento abusivo e, até hoje, receberem salários menores em comparação aos homens, certo?
Mônica Cunha: Certíssimo. A dependência financeira que temos em relação a nossos companheiros (especialmente mulheres negras, que ganham menos que as brancas) torna essa denuncia quase que impossível, em alguns casos. E essa situação contribui muito para que sejamos nós as maiores vítimas. Sei que denunciar um companheiro é difícil. Eu mesma fui vítima de violência doméstica durante alguns anos e não tive coragem de denunciá-lo. Aquele período foi muito duro e marcou a minha vida e a de meus filhos, que presenciaram diversas violências que sofri.

Repórter: E o que os dados apontam sobre essa situação em casos onde a mulher é negra?
Mônica Cunha: Da disparidade salarial aos riscos de serem vítima de violência (que podem estar associados) as mulheres negras estão sempre em situação desfavorável se comparadas a homens (brancos e negros) e mulheres brancas. Somos, de fato, a base da pirâmide social, sendo o segmento com maior número de pessoas e, ao mesmo tempo, com menos acesso a direitos, sofrendo com a opressão de gênero, raça e classe.

Repórter: As pesquisas feitas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) podem colaborar, de alguma forma, para que as mulheres consigam enxergar os abusos antes de serem mortas?
Mônica Cunha: Sabemos que o feminicídio, em regra, é o fim de um cruel ciclo de violência. O próprio dossiê destaca que a maioria dos feminicídios foi praticada por companheiros e ex-companheiros das vítimas, o que nos obriga a refletir se eventuais denúncias de violência anteriores poderiam evitar a morte dessas mulheres.

Repórter: Quais são as ferramentas que o estado possui para reduzir os números de violência contra a mulher?
Mônica Cunha: É fundamental pensarmos em políticas públicas de distribuição de renda e redução das desigualdades de gênero e raça. O Estado tem responsabilidade com as nossas vidas e o Dossiê Mulher fornece muitos elementos de análise para a construção de uma política pública de segurança que não esteja pautada apenas na logica policial, mas também em politicas sociais que permitam a emancipação econômico-financeira destas mulheres, negras em sua maioria, como forma de interrupção dos ciclos de violência que podem terminar, tragicamente, em feminicídios.