Justiça
Julgamento simulado de parlamentar que protestou dentro de igreja contra racismo reúne celebridades do meio jurídico
Kakay, Frei David, Hélio Bolsonaro, Bernardo Kuster e outros represesentantes de esquerda e direita vão compor defesa e acusação para público opinar sobre vereador do PT Renato Freitas, cujo mandato está sob risco
A polarização que toma conta do país ganhará holofotes nesta quinta-feira (9), em julgamento simulado no Rio de Janeiro sobre o caso do vereador Renato Freitas (PT), cujo mandato pode ser cassado a qualquer momento, sob acusação de invadir uma igreja com manifestantes em Curitiba. O grupo protestava contra o assassinato do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, crime ocorrido em janeiro, no Rio, e que teria tido motivações racistas.
De um lado, a defesa, composta por advogados e professores famosos: Saul Tourinho Leal, advogado constitucionalista; Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado criminalista; Renato Ferreira, advogado e doutorando em Sociologia e Direito (UFF); além de, curiosamente, mesmo sendo de direita, William Douglas, doutor em Direito Constitucional e professor.
Do outro, a acusação, formada por representantes da direita: Hélio Bolsonaro, deputado federal (PL-RJ); Paulo Cremoneze, advogado (SP); Ludmila Lins Grilo, professora de Direito Penal; e Bernardo Kuster, diretor de opinião do jornal Brasil Sem Medo (BSM).
No banco dos réus, ele próprio, o vereador Renato Freitas, que virá de Curitiba para o simulado. Freitas nega a invasão, e diz que entrou no templo de forma pacífica, com a missa já no fim. Na plateia, com acesso presencial liberado, todos aqueles interessados no debate do episódio e em seu simbolismo para o país.
Liberdades religiosa e de manifestação em jogo
A iniciativa é do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), que deseja provocar, com o caso de notoriedade nacional, amplo debate sobre liberdades religiosa, de expressão e de manifestação – lembrando que a raiz do episódio está em um protesto contra o racismo, tema de alta relevância para debate na sociedade.
Coordenador do evento, o desembargador e um dos integrantes da defesa, William Douglas, destaca o maior diferencial desse simulado para a sociedade. “Há muito tempo a direita e a esquerda não debatem juntas. Precisamos acabar com o muro que existe entre brasileiros, pois, afinal, é conversando que a gente se entende. Não bastasse esse momento singular, quase único, ainda estamos diante de um caso que condensa as maiores discussões do Brasil de hoje: política, liberdade de expressão e liberdade religiosa.”
Primeira juíza negra do Rio presidirá simulado
O julgamento, na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, terá também transmissão ao vivo pelo canal do CCJF no YouTube (CentroCulturalJustiçaFederal), e será presidido por Ivone Ferreira Caetano, a primeira juíza e desembargadora negra do Estado do Rio. Frei David, da Educafro, terá uma participação especial, com direito à fala, assim como João Daniel, presidente da Associação Brasileira de Juristas Conservadores (ABRAJUC). Será um embate entre gerações, com a eloquência de Frei David, aos 70 anos, e a veemência de João Daniel, aos 23.
Não haverá sentença final, porque a intenção é que cada espectador formule o seu veredito e ouça de viva voz os argumentos do vereador, assim como da defesa e da acusação.
Entenda o caso
O vereador Renato Freitas é acusado de invadir, em 5 de fevereiro deste ano, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, em Curitiba, junto com manifestantes que protestavam contra a agressão que levou à morte o congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, no Rio de Janeiro, em 24 de janeiro. O crime foi tratado como de motivação racial.
Renato Freitas alegou que não houve invasão. Disse que entrou no templo de forma pacífica, com a missa já no fim.
O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de Curitiba acatou pedido de cassação do mandato do vereador.
A Arquidiocese de Curitiba manifestou-se contra a cassação de Freitas, apesar de registrar o “desrespeito a lugar sagrado”.
Em 19 de maio, a Justiça suspendeu a sessão do plenário da Câmara que votaria a perda de mandato do parlamentar, e pode voltar a agendá-la a qualquer momento.
Confira a linha do tempo:
08/02 – Vereador Renato Freitas (PT) faz a manifestação na igreja.
12/02 – Freitas tem o pedido de cassação na Câmara.
17/02 – Vereador se afasta do mandato por questões de saúde.
10/05 – Conselho de Ética aprova parecer pela cassação de Freitas.
12/05 – Pedido de cassação é aprovado.
19/05 – Juíza suspende julgamento que pode cassar vereador.