Brasil
Matemático e ambientalista Sergio Margulis analisa guerra da Ucrânia e Rússia
"Não precisava de uma guerra para percebermos o risco da dependência dos combustíveis fósseis, especialmente da enorme quantidade de gás que Rússia e Ucrânia exportam para a Europa", explica o especialistaAo contrário da pandemia, que acelerou investimentos em sustentabilidade, a guerra da Ucrânia tem aumentado a busca por energias poluentes no curto prazo, inclusive pelo carvão, especialmente na Europa. Isso representa um revés aos esforços das nações para reduzir o ritmo do aquecimento global. A opinião é do matemático e ambientalista Sergio Margulis, autor do livro “Mudanças no clima: tudo o que você queria e não queria saber”.
“Não precisava de uma guerra para percebermos o risco da dependência dos combustíveis fósseis, especialmente da enorme quantidade de gás que Rússia e Ucrânia exportam para a Europa. A guerra aumentou essa consciência, mas a má notícia é que a reação imediata de países europeus tem sido a de suprir essa energia poluente seja como for, inclusive com mais carvão no curto prazo”, afirma Margulis.
No fim de 2021, a Europa importava 4,5 milhões de barris por dia da Rússia, responsável por um terço do petróleo e por 40% do gás vendido à Europa. A França está menos vulnerável porque, ao contrário da Alemanha, não desativou usinas de geração nuclear após o trauma do vazamento nuclear em Fukushima, no Japão, em 2018. Mas mesmo ela tem permitido maior uso de carvão em suas termelétricas neste primeiro momento. “O instinto de sobrevivência levou ao aumento do carvão, ainda mais poluente”, lamenta Margulis.
“Não dá para a Europa abrir mão dos fósseis do dia para a noite, mas a guerra deveria servir para acelerar a corrida pelas renováveis. Pode ser que ainda aconteça, mas até agora não é o que vemos. É o contrário do que ocorreu na pandemia, quando a o mundo acordou mais para a sustentabilidade e o fato de estar abusando de sua relação com a natureza”, diz Margulis. “Os planos de recuperação econômica foram na direção do carbono zero, de um mundo limpo pós-covid. O Presidente Biden assumiu e, dois meses depois, no pico da pandemia, convidou 40 chefes de Estado para falar sobre aquecimento global e não sobre a pandemia”.
O maior desafio do planeta é impedir que a temperatura suba acima de 1,5 grau até 2100. “Os impactos, especialmente em países menos preparados, como o Brasil, podem ser até 100% maiores se o planeta aquecer 2 graus do que se ficar em 1,5. É como uma febre do corpo humano em que 39 graus é muito mais grave que 38,5 graus. Já estamos em 1,1 grau acima da temperatura média de 1850, que é o marco zero desta contagem, quando a Revolução Industrial deslanchou a energia a carvão e começou a emitir gases de efeito estufa sem saber”, explica Margulis.
Brasil na contramão
O Brasil é um dos países mais limpos em energia, por sua matriz hidrelétrica e uso de biocombustíveis. O país tem progredido em energia solar e eólica, mas não na velocidade necessária e, com isso, a matriz vai ficando mais suja. “Somos vilões mundiais porque, ao desmatar a Amazônia, o Brasil joga tudo fora, da biodiversidade ao saldo político que tinha. É de chorar ver o que acontece na Amazônia e imaginar o que ainda pode acontecer. No século 21, o governo diz que é nossa vez de desmatar porque outros desmataram no passado. É uma visão muito ignorante sobre o desenvolvimento”, desabafa o autor de “Mudanças no clima”.
Como economista do Banco Mundial por 22 anos, Margulis trabalhou com projetos ambientais em mais de 20 países. Outra grande decepção do Brasil, segundo ele, tem sido a falta de investimento em novas tecnologias. O país do etanol e do biodiesel não integra os esforços mundiais em descobrir novas fontes de energia. O mundo sabe que o petróleo está condenado, ressalta Margulis, mas o último Plano Estratégico da Petrobras indica que 85% dos investimentos serão em fontes fósseis. Empresas como a British Petroleum e a Shell tornam-se empresas de energia, segundo ele, “entrando de cabeça em pesquisas de eólica de alto mar, hidrogênio, células fotovoltaicas, pois sabem que o petróleo vai acabar, enquanto a Petrobras ignora a mudança de paradigma mundial”, critica Margulis.
“A Petrobras sempre foi uma tremenda empresa”, recorda o autor. Já pesquisou xisto, álcool, biomassa, outras fontes alternativas, e teria tudo na mão para liderar pesquisas em offshore eólica, “mas virou um paquiderme se comparada às concorrentes” e não acordou para a questão climática. “Quem está pesquisando hidrogênio verde no Brasil para valer? A China não para de investir nesse negócio porque sabe que, quando uma descoberta vingar, o retorno é gigante. A política do governo brasileiro sobre a questão climática é uma coisa horrorosa.”