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Brasil pode ser o 1º a zerar emissões líquidas de gases do efeito estufa
Preservação de florestas tropicais reduziria meio grau no aquecimento globalSer o primeiro país a zerar as emissões líquidas de gases do efeito estufa (GEE) até 2040 é uma possibilidade real para o Brasil. A afirmação foi feita nesta segunda-feira (14) pelo coordenador geral do MapBiomas, Tasso Azevedo. Ele participou do painel “Uso da terra no Brasil: vilão, vítima ou herói da crise climática?”, realizado no Brazil Climate Action Hub, que na próxima quinta-feira recebe a visita do presidente eleito Lula. Segundo Tasso, o fato de ter a maior parte de suas emissões ligada ao uso da terra, o que inclui desmatamento e fogo associado, e às atividades agropecuárias torna viável neutralizar com “relativa rapidez” a liberação dos gases que aumentam a temperatura do planeta. Em seu discurso de vitória, Lula reiterou o compromisso com o desmatamento zero na Amazônia.
“Se eliminarmos as emissões por uso da terra, dá uma redução de 77% nas emissões brasileiras em relação a 2005. Se considerarmos a variação de carbono no solo por manejo de pastagem, podemos tirar mais 230 milhões de toneladas, que são absorvidas nos solos agrícolas. E se acrescentarmos nessa conta que é possível reduzir 200 milhões de toneladas de metano, nossas emissões praticamente seriam residuais. Lembrando ainda que, quando reduzimos o desmatamento, isso aumenta a regeneração e, por consequência, a absorção de gases. É muito possível o Brasil ser o primeiro país com emissões líquidas zeradas, em algum momento entre 2030 e 2040”, disse o coordenador geral do MapBiomas.
Participaram do painel Ane Alencar, diretora de Ciência no Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora do MapBiomas Fogo, e Michael Coe, diretor do programa Amazônia no Centro de Pesquisa do Clima Woodwell, com moderação da diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Ana Toni. “As florestas tropicais, principalmente a Amazônia, podem fazer parte da solução ou do problema, evitando ou não a elevação em meio grau da temperatura do planeta”, afirmou Ana Toni. “Importante ressaltar que o Brasil sabe como trabalhar para a redução do desmatamento. Já fez antes. A eleição deste ano nos dá a oportunidade de mudar o cenário. Temos ciência. Temos propostas, sabemos como fazer, mas tem que chegar lá na ponta e começar a implementação das medidas rapidamente”, completou a diretora do iCS.
O Brasil, que está entre os cinco maiores poluidores, emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de carbono equivalente em 2021. Foi o maior aumento em 19 anos, de 12,2% comparado ao ano anterior. A medida do carbono equivalente representa a soma do efeito superaquecedor de todos os tipos de gases do efeito estufa na atmosfera. As emissões nos outros grandes poluidores, como Estados Unidos, China e Rússia, estão mais atreladas à queima de combustíveis fósseis.
Grande aldeia do mundo
Toya Manchineri, coordenador da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), ressaltou os impactos negativos do desmatamento para os povos originários, as florestas e os animais e indicou que o momento pede união para proteger a vida no presente e no futuro. Ele defendeu o uso da inteligência do planeta para preservar os biomas. “Se continuarmos com essa ganância, vamos destruir tudo o que temos. É o momento de cuidar desta grande aldeia do mundo”, afirmou Manchineri.
Ar-condicionado do planeta
Florestas e outros tipos de vegetação nativa – como savanas, tundras e áreas alagadas – guardam estoques de carbono acima e abaixo do solo. De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), florestas tropicais como a Amazônia podem estocar cerca de 243 toneladas de carbono por hectare. A cada ano, todas as florestas do mundo absorvem em torno de 15,6 bilhões de toneladas de carbono – quantidade equivalente a três vezes as emissões anuais dos Estados Unidos -, mas quase metade (8,1 bilhões) volta à atmosfera por conta do desmatamento, fogo e degradação.
“Cerca de 25% das emissões são retiradas da atmosfera pelas florestas tropicais. Com isso, elas resfriam o planeta. São como aparelhos de ar-condicionado naturais. Se a gente remove toda floresta tropical no planeta, isso vai aumentar em 1°C a temperatura média global, por conta da diminuição da umidade e do efeito resfriamento. Então elas nos prestam um grande serviço”, concluiu Michael Coe, diretor do programa Amazônia no Centro de Pesquisa do Clima Woodwell. Os bilhões de toneladas de gases do efeito estufa em curto período causam o superaquecimento.
Com o desmatamento de vegetações nativas e a degradação da área no entorno de queimadas associadas ao desmate, todo o carbono acumulado nas raízes e na estrutura das árvores e plantas retorna para a atmosfera. “Esse é o legado que o governo Lula vai herdar. O desmatamento que está ocorrendo no governo Bolsonaro vai entrar na conta da primeira taxa de desmatamento que o governo Lula vai soltar, e olha que já está alta, e o ano não terminou. Se parasse para contabilizar agora, o desmatamento da Amazônia até outubro já seria praticamente equivalente à taxa de 2016/2017 inteira”, comentou Ane Alencar, diretora de Ciência no Ipam e coordenadora do MapBiomas Fogo.
A área desmatada em 2021 na Amazônia Legal foi de 13.038 quilômetros quadrados, a maior desde 2006, quando o desmatamento estava em queda desde os 27.772 quilômetros quadrados desmatados em 2004. Como consequência, as emissões por desmatamento aumentaram 20% no país.
Uso da terra e emissões no Brasil
O avanço do desmatamento na história recente preocupa os pesquisadores: um terço de tudo o que já foi desmatado em 500 anos foi derrubado nas últimas três décadas. Se pastagens degradadas são fontes de emissão de carbono, as bem manejadas absorvem carbono da atmosfera. Em 2020, 47% das pastagens eram bem manejadas, 17% a mais do que no início dos anos 2000. Juntas, a agropecuária e as mudanças por uso da terra no Brasil, que incluem desmatamento e fogo associado, respondem por 75% das emissões do país. Na Amazônia, o aumento do desmatamento está relacionado à grilagem e à ocupação ilegal de terras públicas, e 51% da área desmatada no bioma estão dentro dessas terras. A área registrada irregularmente como propriedade particular dentro de territórios indígenas no bioma no Brasil aumentou 55% entre 2016 e 2020, e o número de CAR (Cadastro Ambiental Rural) cresceu 75% no mesmo período. Em 2022, o Brasil teve 80% mais incêndios florestais entre janeiro e outubro que o mesmo período em 2021.