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O comportamento humano na pandemia

Pesquisa obtida com exclusividade pela TUPI aponta as principais condutas desde que a Covid-19 parou o mundo

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homem chora em lápide
Até esta quinta-feira (23), país contabiliza 592.964 óbitos da doença (Foto: Divulgação)

Dados são do Ministério da Saúde e foram divulgados na noite deste domingo (27)
(Foto: Divulgação)

Desde o início da pandemia, especialistas de várias esferas – em especial psicólogos, antropólogos e historiadores – analisavam que, com o fim das medidas restritivas em todo planeta, poderíamos ter uma sociedade mais justa, igualitária e empática. Todos esses estudiosos adotaram discursos embasados pela história. Mas afinal, quais comportamentos adotamos neste período para o avanço?

A história da humanidade – seja qual for o período – reserva dores, lutas, mortes e muitas mudanças em situações como a atual. A peste negra ou peste bubônica, por exemplo, doença que devastou a Ásia e a Europa no século 14 e que durou 16 anos (de 1347 até 1353) fez surgir, logo depois, na Itália, um movimento cultural, econômico e político conhecido como Renascimento, que se estendeu por toda a Europa com grande valorização das artes e da ciência.

Peste Bucônica devastou a Ásia e a Europa. Foto: Reprodução Internet

Na Segunda Guerra Mundial, em 1945, a penicilina, que sofria forte onda de desconfiança quanto à sua eficácia, acabou salvando vidas no combate a infecções. Pós-guerra, as condições de extrema pobreza, miséria e fome trouxeram de volta inúmeras doenças infecciosas (cólera, tuberculose, tifo, entre outras) e fez com que os estados assumissem a saúde pública de forma integral, criando planos de vacinação e outros programas de saúde pública vigentes até hoje.

A fome marcou a Segunda Guerra Mundial. Foto: Reprodução Internet

Os exemplos de mudanças depois de pandemias, guerras e calamidades são inúmeros e com benefícios para o progresso da humanidade. Mas afinal, que comportamentos adotamos para conseguir avançar? Para o psicanalista Rafael Souza, essas consequências se iniciam pela forma com que as pessoas começam a lidar com a limitação do contato.

“Todo relato de um processo epidêmico a gente já tem conhecimento. Da destrutividade, do quanto isso é nocivo e do quanto isso desagrega economicamente e socialmente. Apesar disso, existe uma questão que passa pelo psíquico e pelo afeto, que é o quanto esse processo tem poder de desarticular as nossas relações afetivas. Uma das maiores demandas desse momento é a dificuldade da convivência, da impossibilidade de estar com as pessoas mais queridas, de abraçar e conseguir experimentar aquilo que foi negligenciado por muitos anos, que é a simplicidade da vida”, considera.

Para Souza, isso também despertou a tensão para questões ainda mais simples, como respirar o ar puro.

“Nós vínhamos negligenciando essas coisas simples em decorrência do ritmo de vida, das ansiedades, de tudo isso que a sociedade moderna exige com todo esse aparato tecnológico. E cada vez mais isso nos deixa imersos em nossas melancolias. A epidemia, de forma abrupta e violenta, nos coloca nessa posição de como é importante permanecer na presença das coisas mais simples da vida. As epidemias tem esse papel de nos trazer a introspecção e reflexão do nosso papel e do nosso sujeito social. Todo processo patológico ou psicopatológico nos traz ensinamentos. É a partir desse olhar interno que temos a aprendizagem. É importante que essa aprendizagem seja cultivada porque as epidemias voltam”, avalia o psicanalista.

Reprodução: Agência Brasil

Uma pesquisa inédita, obtida com exclusividade pela TUPI, traça justamente sete perfis comportamentais nada racionais na pandemia. O estudo desenvolvido pelo economista Robson Gonçalves, da Fundação Getúlio Vargas, analisou 90 casos entre entrevistas e relatos espontâneos de pessoas conhecidas ou indicadas por conhecidos e casos obtidos por pesquisa na internet. Confira:

 

  1. AUTOENGANO COM VIÉS OTIMISTA: “Não vai acontecer comigo!”. Comum em dois grupos: a. Pessoas obrigadas a sair para trabalhar: dizem que estão tomando todos os cuidados, mas reconhecem que andam com a máscara no queixo e frequentam happy hours quase toda semana. b. Jovens que admitem ter ido a baladas: dizem que não conhecem ninguém (ou quase ninguém) que tenha se contaminado e, por isso, se sentem seguros.

 

  1. DESAFIADOR: “Essa doença não vai me vencer!”. Comum em pessoas com sentimento excessivo de empoderamento e que veem na pandemia uma oportunidade de autoafirmação. Quando conseguem trabalhar e não são contaminadas, se mostram até felizes.

 

  1. WORKAHOLICS PANDÊMICOS: Comum em pessoas em home office com mais de 40 anos que mergulham no trabalho como forma de tentar escapar da pressão psicológica do isolamento e também da ameaça de desemprego. São os que mais reportam uso de antidepressivos. Praticam a dissonância cognitiva, afirmando que não estão ansiosos e que não têm como trabalhar menos ou dar mais atenção para a família.

 

  1. ISOLAMENTO RELATIVO: Comum em pessoas em home office com menos de 40 anos. Usam menos antidepressivos, mas consomem mais álcool dentro de casa. Relatam ter feito viagens e participado de reuniões sociais, principalmente no segundo semestre. Mudam subitamente de comportamento quando alguém próximo se contagia (viés de disponibilidade).

 

  1. IDOSOS EMPODERADOS: Comum em pessoas com mais de 70 anos que superaram a doença. Se tornam mais esperançosos, passam a acreditar que viverão mais, dizem que querem “curtir mais a vida” depois do fim da pandemia. Mostram-se moderadamente eufóricos.

 

  1. A IDADE CHEGOU: Comum em homens com mais de 50 anos que superaram a doença. Alguns afirmam que se reconhecem agora como “velhos”, pois “contraíram uma doença do grupo de risco”, isto é, supostamente composto por pessoas com mais de 60-70 anos. Afirmam que serão menos negligentes com a saúde de agora em diante.

 

  1. IMUNIZADOS-TRAUMATIZADOS: Independente do gênero e da idade, muitos dos que se recuperaram da doença passaram a tomar mais cuidados para não se contaminar. Não se sentem totalmente seguros, apesar da provável carga de anticorpos. Ruminam pensamentos automáticos e até catastróficos de recontaminação e contágio de entes queridos.

Pesquisa mostra o comportamento na pandemia. Foto: Reprodução Tupi

O psicanalista Rafael Souza contextualiza os perfis comportamentais como traços psíquicos e hereditários. Para ele, as ações humanas mudam apenas conforme os meios.

“Existem condições que ainda perpassam as várias fases históricas e, na contemporaneidade, conservamos hábitos e comportamentos que julgamos ser medievais, por exemplo. A gente identifica traços da Idade Média e o negacionismo é um exemplo quando negamos cumprir as orientações sanitárias. Na peste bubônica, havia cobrança extorsiva pela remoção dos corpos dentro de residências. Os valores eram altíssimos. Ou seja, havia tentativa de obter lucro no processo epidêmico de catástrofe naquela época. Não muito diferente, observamos a tentativa de se ter lucro em vários episódios com prisões de políticos em decorrência de denúncias e comportamentos não muito diferentes da Idade Média. Esse traço comportamental é extremamente permanente. Existem traços são passados aos seres humanos independente do período. São traços psíquicos, hereditários”, contextualiza Souza.

(Foto: Reprodução)

“Quantas pessoas que não puderam nem velar seus entes? De dar um adeus? De se despedir de quem ama? Isso mostra muito do desamparo em sociedade. Isso tem a ver com uma construção da psicanálise que o ‘Freud’ vai dizer que uma das maiores angústias do ser humano é ter o conhecimento de que somos incapazes em lidar com a decrepitude do corpo, dos fenômenos da natureza e de lutar contra os impulsos. Freud apresenta essas três questões que estão muito presentes nesse processo de epidemia, de que a sociedade não tem como controlar as suas ações. Nós vivemos aquilo que os orientais chamam de total descontrole e que ‘não teria muito o que fazer'”, finaliza.

Afinal, quem está certo nesta crise sanitária e econômica? A história dirá.