Brasil
Bolsonaro cogita publicar decreto que autoriza volta ao trabalho, após passeio pelo Distrito Federal
Em nota conjunta, partidos de oposição repudiaram o ato do presidente sair às ruas e alegaram ser falso o conflito entre economia e saúde na crise da Covid-19(Por: Renato Souza/Correio Braziliense) Em meio à pandemia do novo coronavírus, e um dia após o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, insistir para que as pessoas fiquem em casa, o presidente da República, Jair Bolsonaro (Sem Partido), percorreu regiões administrativas do Distrito Federal. No passeio, que abrangeu as cidades de Ceilândia, Taguatinga, Sudoeste e a Esplanada, o chefe do Executivo cumprimentou moradores, ouviu pedidos para que o comércio volte a funcionar, e defendeu o uso da cloroquina no combate ao coronavírus. O ato gerou críticas e fortes reações em deputados e senadores que fazem oposição ao governo.
O presidente voltou a defender que o comércio reabra nos estados e disse que “todos iremos morrer um dia”, ao avaliar que a doença deve ser combatida sem paralisar a economia. “Essa é uma realidade, o vírus tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra. Não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Tomos nós iremos morrer um dia. Queremos poupar a vida? Queremos, na parte da economia, o Paulo Guedes tá gastando dezenas de bilhões de reais, que é do Orçamento, que é dinheiro do povo, se bem que nem dinheiro é. Pegamos autorização do Congresso para estourar o teto, que vai ser paga essa conta lá na frente”, disse o presidente.
Em Ceilândia, ele conversou com comerciantes e tirou foto com admiradores. A presença dele criou aglomeração de pessoas nas ruas, nas praças e no comércio. O presidente disse que cogita editar um decreto para que o comércio volte a funcionar. “Eu estou com vontade, não sei se vou fazer, mas estou com vontade de baixar um decreto amanhã: toda e qualquer profissão legalmente existente, ou aquela voltada para a informalidade, mas que for necessária para o sustento dos seus filhos, para levar o leite para os seus filhos, levar arroz e feijão para a sua casa, vai poder trabalhar”, disse.
Ele afirmou que o confinamento, para evitar que o vírus gere mais danos, prejudica a renda das famílias. “Nós vai (sic) condenar esse cara a ir pra dentro de casa? Ficar dentro de casa, ele não tem poupança, não tem renda. A geladeira dele, se tiver, já acabou a comida, porque tem que trabalhar. Tem que sustentar a família. Tem que cuidar dos seus filhos”, disse o presidente. O presidente alegou que a quarentena, recomendada pelos especialistas e autoridades de saúde, aumenta os casos de violência doméstica. “Tem mulher apanhando em casa. Por que isso? Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Como é que acaba com isso? O cara quer trabalhar, meu Deus do céu. É crime trabalhar?”, argumentou.
Questionado, Bolsonaro negou que tenha provocado aglomerações. “Hoje é domingo, tem pouca gente na rua. Agora, eu não marquei nada em lugar nenhum. Foi tudo de forma inopinada”, disse. Entre os gritos de apoio, uma mulher pediu que o isolamento seja ampliado, para profissionais que ainda estão trabalhando. Após circular pelas cidades do DF, o presidente foi ao Hospital das Forças Armadas, onde ficou 15 minutos. Nem o Planalto nem o presidente informaram o motivo da visita.
Críticas
O passeio do presidente Jair Bolsonaro pela capital levantou fortes críticas. Ele foi acusado de dar mau exemplo à sociedade e agir em desconformidade com a postura do cargo que ocupa. Em nota conjunta, o PSB, PP, PSOL, PCdoB, Rede, PDT, PV, entre outras siglas, repudiaram o ato. “O discurso criminoso e irresponsável do presidente custará vidas, principalmente dos mais pobres, vulneráveis e moradores das periferias. É preciso frisar que não há dicotomia entre saúde e economia. Os países que melhor enfrentaram até o momento a crise da Covid-19 adotaram medidas de isolamento social, aumento no número de UTIs e realização de testes massivos em sua população, e o Estado atuou de forma a garantir o emprego e a renda das pessoas”, diz um trecho da nota.
As siglas lembraram que o DF registrou, ontem, a primeira morte por coronavírus. O deputado Alessandro Veira (PT-SE), criticou as intenções políticas do presidente. “Os limites do que pode e do que não pode fazer um governante estão claros na nossa Constituição. Bolsonaro rompeu estes limites, justamente na hora em que a população mais precisa de uma liderança positiva”, lamentou.
Entre os locais visitados ontem por Bolsonaro, está uma farmácia na quadra 303 do Sudoeste, bairro nobre de Brasília, localizado a 6,8 quilômetros da Esplanada dos Ministérios. No estabelecimento, ele conversou com funcionárias, entre elas a farmacêutica, Rose Cleide da Silva Soares, 39 anos, gerente do estabelecimento. No local, o presidente perguntou sobre a cloroquina (hidroxicloroquina), remédio usado no tratamento de lúpus e artrite, doenças crônicas autoimunes, ou seja, que fazem o sistema imunológico atacar o próprio corpo. A gerente conta que é uma admiradora do presidente e nunca imaginou que ele apareceria em seu local de trabalho. “Foi uma surpresa. Eu vi vários homens de preto lá fora, achei que pudesse ser a vigilância ou o Procon. Abaixei a cabeça, e quando levantei, ele já estava aqui. Ele queria saber a procura da cloroquina aqui na drogaria e como estava a reação do cliente quando não encontrava”, disse Rose Cleide.
As declarações do presidente, no entanto, vão em desencontro às informações repassadas pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. “Não é a panaceia. A cloroquina não é o remédio que veio para salvar a humanidade, ainda”, disse o ministro. “Esse medicamento, se tomado, pode dar arritmia cardíaca, pode paralisar a função do fígado. Se sairmos com a caixa na mão dizendo ‘pode tomar’, nós podemos ter mais mortes por mau uso do medicamento do que pela própria virose. Não façam isso”, completou o ministro, em coletiva de imprensa, no sábado.