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Justiça mantém especial de Natal do Porta dos Fundos no ar
Segundo a juíza, não há motivos para que a obra seja retirada do ar e uma decisão diferente seria "inequivocamente censura decretada pelo Poder Judiciário"A Justiça do Rio negou, nessa quinta-feira (19), um pedido de liminar para que o especial de Natal do “Porta dos Fundos” fosse removido da Netflix. Segundo a decisão, assinada pela juíza Adriana Sucena Monteiro Jara Moura, não há motivos para que a obra seja retirada do ar. Essa é apenas uma parte de uma série de decisões semelhantes nos últimos dias, tanto no Rio quanto em São Paulo. Segundo a juíza, uma decisão diferente seria “inequivocamente censura decretada pelo Poder Judiciário”.
A ação em questão foi movida pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura. De acordo com a denúncia feita pela instituição, o programa de humor ofendeu a honra de milhões de católicos, onde “Jesus é retratado como um homossexual pueril, Maria como uma adúltera desbocada e José como um idiota traído”.
Citando os artigos 5 e 220 da Constituição Federal, que tratam de liberdade de expressão, a juíza afirma que o “juiz não é crítico de arte”, e não encontrou no caso a ocorrência de crimes contra a religião, violação aos direitos humanos, incitação ao ódio ou discriminação.
“Ademais, também considero como elemento essencial na presente decisão que o filme controverso está sendo disponibilizado para exibição na plataforma de streaming da ré Netflix, para os seus assinantes”, escreveu a juíza na decisão. “Ou seja, não se trata de exibição em local público e de imagens que alcancem aqueles que não desejam ver o seu conteúdo. Não há exposição a seu conteúdo a não ser por opção daqueles que desejam vê-lo. Resta assim assegurada a plena liberdade de escolha de cada um de assistir ou não ao filme e mesmo de permanecer ou não como assinante.”
A juíza ainda ressalta, porém, que a análise nesse primeiro momento não esgota o assunto. A decisão limita-se ao pedido liminar de proibição de exibição, e não trata da análise de indenização por dano moral coletivo.
O Centro Dom Bosco pedia a retirada do especial do ar, bem como de trailer, making of e propagandas, sob pena de multa diária de R$ 150 mil, e mais R$ 2 milhões por danos morais. O jornal O Estado de S. Paulo não encontrou um representante do Centro na tarde desta quinta. Netflix e Porta dos Fundos não quiseram se manifestar.
Desde o dia 13 de dezembro, pelo menos outras três decisões similares foram expedidas pela Justiça de São Paulo.
“Uma das principais lições ensinadas por Jesus é a da tolerância, sobretudo em relação aos pobres de espírito (e também aos ‘espíritos de porco’)”, escreveu a juíza Marian Najjar Abdo, da 1.ª Vara do Juizado Especial Cível de SP. “Entendo ausente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. A liberdade de expressão, no presente caso, parece, de fato, ter sido utilizada de forma desvirtuada e abusiva, mas, em princípio, basta que o autor não assista ao programa em questão e até mesmo não mais mantenha contrato com a corré Netflix, em sinal de sua indignação.”
O juiz Marcos Blank Gonçalves, da mesma Vara, definiu um pedido de retirada como “ato de censura”. “Diante da liberdade que cada um dispõe de assistir ou não à programação de Natal humorística, não vislumbro a necessidade prévia de uma proibição”, escreveu.
No ar desde 3 de dezembro, o especial de humor A Primeira Tentação de Cristo começa com Jesus sendo surpreendido com uma festa de aniversário de 30 anos. A certa altura, Maria e José, seus pais, fazem uma revelação “bombástica”: ele foi adotado e seu verdadeiro pai é Deus (a quem ele apenas conhece como o Tio Vitório). Sem entregar muito do enredo, outra das surpresas é que Jesus poderia estar em um relacionamento com outro homem. Um abaixo-assinado online já tem mais de 2,2 milhões de assinaturas contra a exibição do especial. Políticos e líderes religiosos também usaram as redes sociais para demonstrar insatisfação com o filme.
Na semana passada, o jornal O Estado de S. Paulo apurou que a Netflix aprova a liberdade criativa dos artistas com quem trabalha, e que reconhece internamente que nem todas as pessoas vão gostar desse conteúdo.