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Realidade virtual ganha espaço em prol da saúde mental

“Gamificação” da psicologia tem ganhado espaço no tratamento de medos e fobias no Brasil, país mais ansioso do mundo, de acordo com a OMS 

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Psicóloga Dra. Marihá Lopes
Psicóloga Dra. Marihá Lopes (Foto: Divulgação)

Acordar, se arrumar, tomar o café da manhã e sair para ir se exercitar na academia. Depois, pegar o transporte para o trabalho e permanecer por lá durante horas ao longo do dia. A maioria da população segue essa rotina naturalmente, no entanto, para uma grande parcela, basta lembrar dela para começar a suar, sentir o coração acelerar e até mesmo perder o sentido, em especial, desde a pandemia de Covid-19. Para essas pessoas, no mundo real, passar por tudo isso seria muito perigoso. No entanto, em um espaço seguro, controlado, com o acompanhamento de um profissional ao lado e sem riscos físicos, quem sofre de transtornos da ansiedade, como as fobias, pode se beneficiar, e muito, de uma experiência desenvolvida inicialmente para o entretenimento: a realidade virtual (RV).

A primeira utilização da tecnologia para esses fins foi em 1997, quando pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos Estados Unidos, realizaram um estudo com 10 veteranos de guerra traumatizados que não haviam sido beneficiados pelas terapias convencionais.

O programa, chamado Vietnã Virtual, expunha os ex-soldados a situações realistas que eles haviam vivenciado décadas antes, na guerra contra o país asiático. Com o headset de RV na cabeça, eles voltavam às selvas vietnamitas ou à cabine de um Huey, o célebre helicóptero dos marines utilizado nesse conflito. Enquanto o terapeuta manipulava o software, intensificando, por exemplo, os sons de batalha, os pacientes narravam seus traumas.

Para quem nunca passou por essa experiência real, a sensação é de estar em um jogo, mas, para eles, ia muito além do virtual. O tratamento durou um mês, ao fim do qual os 10 voluntários demonstraram melhora no quadro. A partir daí, foram iniciados mais testes, com número maior de participantes, tratados nos mais diversos cenários, simulando situações distintas.

Pioneira no tratamento de fobias com RV no Brasil, a psicóloga Dra. Marihá Lopes utiliza a tecnologia há cerca de seis anos. Ela destaca a importância da ferramenta, mas ressalta que o seu papel é complementar e precisa ser feito com acompanhamento adequado.

“O trabalho feito com a realidade virtual amplia a atuação da técnica chamada dessensibilização sistemática. Esta possui o propósito de criar uma hierarquia de exposição junto com o cliente e ir avançando conforme for havendo melhoras e diminuição da ansiedade”, explica a psicóloga clínica especialista em terapia cognitivo-comportamental, EMDR e psicologia social.

A tecnologia utilizada pela psicóloga consiste numa plataforma online que disponibiliza mais de 30 situações que despertam a fobia e a ansiedade e um headset, por onde passam os casos.

De acordo com a psicóloga, a tecnologia possibilita inserir a pessoa nas situações das quais ela possui medo ou que ativem sua ansiedade, como, por exemplo, ficar em ambientes fechados e viajar de avião, casos mais recorrentes entre as pessoas que a procuram. Com a Realidade Virtual, o paciente passa por todas as etapas que faria de verdade, como aguardar o táxi em casa, a caminho do aeroporto, no portão de embarque e dentro da aeronave.

“Em cada uma dessas etapas, é possível adicionar agravantes, como a turbulência durante o voo. O diferencial é a possibilidade de colocar a pessoa em uma situação preexistente de forma segura e prática”, ressalta.
 
Brasil é o país mais ansioso do mundo 

Durante a pandemia, o Brasil se tornou o país mais ansioso do mundo e dispararam os casos de transtornos como a agorafobia (medo de locais e situações que possam causar pânico, impotência ou constrangimento, como sair de casa, lugares públicos, fechados, multidões ou viajar sozinho).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a ansiedade já atinge o número recorde de 18,6 milhões de brasileiros e não para de crescer. Voltar ao trabalho presencial, ir à academia ou pegar transporte público, por exemplo, continuam sendo tarefas impossíveis para muita gente.

“Problemas socioeconômicos, pressão, estresse, medo e a crise financeira nacional são apenas alguns dos fatores que impulsionam o surgimento desse dado alarmante. Mesmo com o avanço da vacinação e a retomada da rotina pré-pandêmica, muita gente não está conseguindo fazer a transição. Na verdade, apenas pensar na possibilidade do retorno à vida normal já causa desespero em quem se encontra com este quadro”, aponta Marihá.

Na visão da especialista, a aceitação da tecnologia, mais especificamente, da gamificação na psicologia só cresce entre pacientes e comunidade científica, necessitando apenas de maior divulgação e esclarecimento.

“A tecnologia já presta contribuições inestimáveis em diversas áreas. Chegou a hora e a vez da psicologia explorar suas possibilidades”, conclui.